quinta-feira, abril 19, 2012

ÉPOCA E O ÚLTIMO MISTÉRIO DO RMS TITANIC


No centenário do mais célebre dos naufrágios, vamos esclarecer os detalhes da missão militar secreta que encontrou os destroços do navio.

O RMS Titanic era o navio mais luxuoso de seu tempo. Na noite de 15 de abril de 1912, durante sua viagem inaugural entre a Inglaterra e os Estados Unidos, ele se chocou contra um iceberg. Desapareceu das águas geladas do Atlântico Norte e entrou para a história. A tragédia, que matou 1.514 pessoas, foi levada ao cinema pelo menos 14 vezes. Em 1985, o oceanógrafo americano Bob Ballard localizou os destroços em seu túmulo submarino, 3.784 metros abaixo da superfície. Em 1993, o cineasta James Cameron embarcou num submarino para visitá-lo e filmar Titanic (1997), a superprodução ganhadora de 11 Oscars e dona de uma bilheteria de US$ 1,8 bilhão (a segunda maior da história, menor apenas que Avatar, do próprio Cameron). Quando parecia que todos os mistérios sobre o Titanic haviam sido elucidados, surgiu um novo. A expedição que achou os destroços seria uma operação de desinformação montada pela Marinha americana?

Nos anos 1960, dois submarinos nucleares americanos, o USS Thresher e o USS Scorpion, sumiram no Atlântico Norte. O Thresher afundou em 10 de abril de 1963, matando 129 tripulantes. Ele mal saíra do estaleiro. Estava realizando testes de mergulho no litoral de Massachusetts. O Scorpion desapareceu com 99 tripulantes em 30 de junho de 1968, durante uma missão de patrulha. Os locais dos naufrágios eram conhecidos da Marinha, mas devido à grande profundidade só tinham sido vistoriados de forma limitada. O Thresher está a 2.500 metros de profundidade, 350 quilômetros a leste de Boston. O Scorpion jaz a 3.000 metros da superfície, 740 quilômetros a sudoeste dos Açores. Ballard, o oceanógrafo que mais tarde encontrou o Titanic, revelou numa entrevista no programa de TV Good morning America, em 2 de junho de 2008, que a missão que o levou ao famoso transatlântico começou como uma inspeção nos destroços do Thresher e do Scorpion. “A Marinha não queria que os soviéticos soubessem que estávamos procurando aqueles submarinos”, disse Ballard na ocasião. Ele nunca mais se pronunciou sobre o assunto.

Ballard tem hoje 69 anos. Dirige o Instituto de Oceanografia Arqueológica da Universidade de Rhode Island. Nos anos 1980, trabalhava no Instituto Oceanográfico Woods Hole, perto de Boston. Era aficionado pelas profundezas abissais, onde descera inúmeras vezes a bordo do submarino Alvin. A zona abissal, aquela que se estende dos 1.000 metros aos 6.000 metros de profundidade, é o maior ecossistema da Terra. Ocupa 60% dos oceanos. Apesar da vastidão, o que conhecemos da zona abissal é muito menos do que sabemos da Lua. A razão é a dificuldade de acesso. Trata-se de um meio ambiente imerso numa escuridão eterna, a temperatura da água é próxima à do congelamento e as pressões são esmagadoras.

Há 30 anos, Ballard sonhava em achar o Titanic. Mas a exploração abissal era caríssima e arriscada. Pensando nisso, bolou um minissubmarino robô, o Argos. Para investigar o interior do Titanic, o Argos levava numa cestinha um irmão caçula chamado Jason. Ele era pequeno o suficiente para atravessar uma escotilha ou um rombo no casco, enviando imagens em tempo real. Em 1982, Ballard foi buscar patrocínio da Marinha para caçar o Titanic. Os almirantes não mostraram interesse. Mas arregalaram os olhos para o Argos. Fizeram uma contraproposta. Dariam US$ 4 milhões para Ballard construir o Argos e alugar um navio para inspecionar os destroços do Thresher e do Scorpion. Só após o trabalho, e se ainda restasse dinheiro, Ballard poderia ir atrás do Titanic. A hipótese era vista como remota pelo almirantado.

A missão ultrassecreta aconteceu entre 1984 e 1985. Para todos os efeitos, Ballard capitaneava uma operação para achar o Titanic. Antes de ele revelar o real motivo das buscas em 2008, nenhuma palavra havia vazado. Nem depois. Ballard é comandante reformado da Marinha. Aquela foi a única vez em que falou no assunto. Deve ter sido duramente repreendido. O nervosismo que envolve uma missão realizada há mais de 30 anos tem provavelmente alguns motivos. O primeiro envolve a construção de submarinos nucleares. Mesmo hoje, países como o Brasil perseguem sem sucesso essa tecnologia ultrassensível. Um segundo motivo envolve as condições dos reatores nucleares do Thresher e do Scorpion, submetidos por meio século à pressão esmagadora e à ação corrosiva da água do mar. Estariam vazando radioatividade? Jason entrou no Thresher em julho de 1984. No início de 1985 foi a vez do Scorpion. “Os dois reatores desligaram quando os barcos afundaram”, disse Ballard. “Foi um final feliz.”

O terceiro motivo para o segredo é que a missão tencionava elucidar a razão dos naufrágios. Isso incluía a hipótese de os submarinos terem sido torpedeados pelos soviéticos. Ao entrar na sala de máquinas do Thresher, o minissubmarino Jason detectou um cano com a solda arrebentada. Isso sugeria que, em 1963, quando o Thresher estava a 300 metros de profundidade, a solda não aguentou a pressão, o cano explodiu e inundou o compartimento. Ao entrar em contato com a atmosfera a bordo, a água se transformou num imenso bloco de gelo, cujo peso arrastou o Thresher para o fundo. O reator ficava ao lado e foi desligado automaticamente pelo computador de bordo. A medida visava impedir o vazamento de radiação. Seriam necessários sete minutos para religar o reator e levar o Thresher à superfície. Antes disso, ele implodiu. Em algum ponto 400 metros abaixo da superfície, o Thresher foi achatado pela coluna d’água, como uma noz.

Em 1968, o Scorpion sumiu quando vigiava submarinos soviéticos. A Marinha suspeitava que tivesse sido torpedeado. Havia duas hipóteses. Ele poderia ter sido atingido por um de seus próprios torpedos, como na batalha de Caçada ao Outubro Vermelho, o romance de Tom Clancy publicado em 1984. Ou poderia ter sido atingido por um torpedo soviético. Não se sabe se a missão de Ballard elucidou o mistério.

Quando a Marinha deu por terminado o trabalho nos submarinos, Ballard foi atrás do Titanic. O dinheiro estava no fim e só restavam 12 dias. Em 1º de setembro de 1985, no sétimo dia de buscas, o Argos encontrou os destroços. A notícia deixou o almirantado nervoso. Jamais contaram com a possibilidade de Ballard achar o barco. À medida que a descoberta tomava conta da imprensa, aumentava o temor de que alguém mencionasse os submarinos. O segredo prevaleceu. Nos anos seguintes, Ballard deu entrevistas para falar de outros naufrágios célebres, como o couraçado Bismarck, orgulho da Marinha nazista destruído em 1941. Mas manteve o segredo até 2008. Na execução desta reportagem, Época tentou falar com Ballard. Sem sucesso. O último mistério do Titanic insiste em permanecer submerso.


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