sexta-feira, novembro 18, 2005

NO BOTE SALVA-VIDAS por Violet Jessop

Cena do Filme Britannic - FlashStar, 1999
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NO BOTE SALVA-VIDAS
Comentário do autor John Maxtone-Graham
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A visão atormentadora do que viria a ser mais tarde identificado como o vapor Californian, da companhia de navegação Leyland, flutuou naquela noite pelos arredores como um espectro cruel. Violet Jessop não estava sozinha na sua inabilidade para estimar a que distância aquele vapor misterioso se encontrava, quer do local de onde os botes salva-vidas baixavam às águas, ou ainda - de uma forma mais desafiadora - do nível da água. Na manhã seguinte, bem cedinho, em seu bote salva-vidas - como iremos descobrir no início do próximo capítulo - ela foi persuadida de que estava se movimentando para mais distante. Na verdade, ao nascer do sol, o vapor Californian foi finalmente informado da tragédia, uma vez que o operador de rádio retomou aos seus afazeres, e todas as medidas necessárias para o resgate já haviam sido tomadas pelo Carpathia.
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Pessoas que estavam no convés dos botes salva-vidas do Titanic avistaram o Californian naquela noite. Intermináveis argumentos foram levantados em décadas mais recentes entre historiadores e estudantes com relação aos acontecimentos daquela noite, no sentido de estipular a real distância a que se encontrava o Californian. Aquele debate - embora sem muito entusiasmo - continua até a presente data. A aflitiva pergunta com relação à proximidade dos dois vapores, não é somente uma disputa, mas um ponto central para imputação da culpa. Tentando estabelecer uma estimativa daquela distância, existe a argumentação daqueles que estão a favor do capitão Stanley Lord, do Californian, que podiam reparar que a mancha da indiferença e desamparo que sentem os seus opositores é devido ao capitão Lord. Dependendo da fidelidade que alguém pode ou não ter com relação ao desventurado capitão, aquela distância crucial varia. Os "lorditas" - como os partidários do capitão Lord são conhecidos - empurraram aquela figura para 32 quilômetros, alegando que o Californian estava dentro de um processo de arrastão de uma corrente marítima e do lado mais distante de uma impenetrável banquisa, logo fisicamente incapaz de atingir a tempo o Titanic. Lord sugeriu em um ponto do inquérito britânico que ele se encontrava distante 48 quilômetros do outro navio.
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Eu me coloco entre aqueles que situam as duas embarcações mais próximas uma da outra. Meu informante nesse particular foi um dos oficiais da companhia White Star, chamado Rowe, quando o entrevistei em 1970. Disse-me ele que as luzes do navio misterioso, sem qualquer dúvida, não estavam a mais de seis quilômetros de distância. Rowe estava intimamente envolvido com o mistério Californian naquela noite. Ele instruiu o capitão Smith para trazer uma caixa de foguetes sinalizadores - "detonadores" - nome dado aos foguetes durante o inquérito britânico - para a plataforma elevada do navio e dispará-los. Pouco antes da primeira viagem do Titanic, Rowe completou um curso superior para oficiais; parte do programa desse curso tratava da determinação de distâncias entre navios iluminados à noite.
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A posição relativa dos dois navios imóveis teria sido um assunto do maior interesse e especulação de três homens: do suboficial Rowe, do capitão Smith e do oficial-da-guarda Murdoch, todos eles aguardando em vão algum retorno pelo desesperado espetáculo de súplica pirotécnica na inclinada plataforma do Titanic.
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Para os registros oficiais, o vapor Californian navegava em direção a Boston com um carregamento de toras de madeira. Ele não levava passageiros e desde as dez horas da noite daquele domingo, estava sendo arrastado pela correnteza marítima, sem que nada pudesse ser feito naquele gelo que o cercava. Em outras palavras, o capitão Lord, que antes não havia encontrado condições com todo aquele gelo, fazia exatamente o que o capitão Smith, que estava do outro lado a bordo do Titanic - deveria ter feito, mas não o fez: parar o seu navio e esperar até o dia seguinte. O quanto foi cruel a ironia que, em conseqüência da tragédia, deu a Smith a coroa da santidade marítima - que ignorou todas as advertências por causa do gelo, e acabou perdendo tanto a sua vida como o seu navio, enquanto o sensato Lord teve que suportar o estigma da tragédia durante toda a sua vida. Ele e todos os oficiais comandantes do navio testemunhariam no inquérito britânico presidido por Lord Mersey, no final daquele ano, em Londres. Seus depoimentos foram somente de testemunhas; nenhum deles foi indiciado, mas serviram, no meu entender, como a parte mais interessante do inquérito.
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Herbert Stone, o segundo oficial do navio, que se encontrava de plantão durante o turno de meia-noite às quatro horas da manhã, admitiu ter visto todos os oito foguetes de sinalização que foram disparados. Através de um tubo de comunicação, ele imediatamente informou ao capitão Lord, que dormia em seu uniforme, naquele momento, no sofá da sala dos mapas cartográficos, que se localizava um nível abaixo do timão do navio. Ao ouvir comentários sobre os foguetes, Lord se fez de desentendido, perguntando quais eram as suas cores. Ao que parece, sua pergunta foi legítima. Lord pensou que os sinais poderiam ter sido "sinais das companhias" - como era conhecida à época uma combinação de fogos de artifícios de cores variadas que os navios soltavam rotineiramente no Atlântico Norte durante à noite ao pressentirem a aproximação de outro vapor, para anunciar não a sua identidade, mas quem era o seu proprietário. Aquela prática perdurou durante muito tempo, após a chegada da comunicação sem fio.
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De fato, se o Titanic tivesse lançado somente sinais comunicando que o proprietário do navio era a White Star, dois foguetes de luzes verdes teriam sido lançados, pois esta era a cor da companhia. Testemunhando no inquérito alguns meses mais tarde, Lord insistiu que alguns sinais da companhia eram brancos. Entretanto, alguns sinais da companhia podem muito bem ter incorporado os fogos de artifício de cores variadas, que eram sempre exibidos com outras cores: navios da companhia Hamburg Amerika, por exemplo, lançavam fogos vermelhos, brancos e brancos azulados, sete deles numa sucessão rápida, enquanto os capitães da companhia Anchor eram instruídos para fazerem uso das cores branca e vermelha. Mas as cores que Stone e o oficial novato Gibson viram da ala de comando do Californian naquele noite não eram todas brancas, tinham uma característica adicional - o barulho de uma explosão e uma chuva de fragmentos iluminados na sua descarga apogística, "lançando estrelas", como se dizia na linguagem marítima. Foguetes de sinalização eram chamados detonadores, e com razão. Depois que Stone informou ao capitão que os foguetes eram brancos, Lord pediu para ser comunicado de qualquer outro acontecimento e voltou a dormir. Foi um sono tão pesado que ele pediu ao jovem Gibson para que esquecesse tudo quando foi acordado com as informações subseqüentes sobre o foguete lançado pela companhia.-

Britannic Homenagem do Jogo Virtual Sailor

O capitão Lord passou o resto da sua vida, como também o fez seu filho, tentando obstinadamente limpar o seu nome. Depois de anos de recursos, o Ministério dos Transportes - uma agência governamental sucessora da extinta Capitania dos Portos - finalmente reabriu a investigação apontando uma junta de inquérito constituída apenas de um homem, em 1990. O capitão Thomas Barnett, diretor aposentado do Departamento de Investigação dos Transportes, reconfirmou a proximidade de seis quilômetros do Californian. Mas, espantosamente, seus superiores discordaram das descobertas de Barnett e exoneraram-no do cargo. Ele foi substituído por outra junta de inquérito, constituída, uma vez mais, de apenas um homem, o capitão James de Coverly, que chegou a uma estimativa espúria - que veio somente confundir os debates das gerações futuras, ao invés dos 36 quilômetros amplamente disputados.
O capitão John King, a bordo do Royal Princess, no início da década de 90, sugeriu-me que, a despeito do certo ou do errado, ele suspeitava que o capitão Stanley Lord, acima de qualquer outra coisa, encontrava-se totalmente exausto. Sendo o julgamento de um amigo capitão, creio que esta consideração é digna de respeito.
Parte de um depoimento altamente revelador do inquérito de Lord Mersey vem de uma testemunha qualificada a bordo do Californian. Ele avaliou que o navio avistado por ele às onze horas e trinta minutos daquela noite - apenas dez minutos antes que o Titanic colidisse com o iceberg – não estava a mais de oito quilômetros de distância. O nome daquela testemunha? Capitão Stanley Lord.
Uma observação final sobre George Row, totalmente fora do imbróglio Californian: nenhum dos suboficiais do Titanic morreu - um registro único e singular de sobrevivência dos componentes da tripulação do navio naufragado. Somente quatro dos oficiais navegadores do Titanic se salvaram, e todos os oficiais engenheiros morreram. Mas, designados para comandar os botes salva-vidas, todos os suboficiais subiram a bordo do Carpathia na manhã seguinte.
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Manuscritos de Violet Jessop, tripulante sobrevivente dos naufrágios do Titanic e Britannic e tripulante presente no acidente do Olympic com o Hawke
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Sobrevivente do Titanic, Ed. Brasil Tropical, págs. 175-178. Introdução, Edição e Comentários John Maxtone-Graham

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi meu amigo Alencar.......Tô impressionada com o post...Você é simplesmente D+...E sou eu que adoro ver seus comentários no meu flog...Não sei como vc está resistindo com os 4 DVDS aí...
Mal posso esperar a chegada do meu.
Chega semana que vem...
Obrigada e BEIJOS